Onde elas são poucas — e porque desaparecem do ténis de mesa nacional
Por António Vieira Pacheco
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Créditos: Direitos Reservados. A equipa do Sporting só com portuguesas em 1974/75. |
Ténis de Mesa feminino em Portugal
Há 20 anos, o som da bola a bater na mesa
enchia pavilhões na Madeira e também em Mirandela. Pequenas atletas, de olhos
atentos e braços ágeis, treinavam com intensidade. O ténis de mesa feminino
português já teve bases, núcleos fortes e clubes que formavam gerações. Hoje,
esse retrato parece gasto, manchado pelo tempo e pela falta de continuidade.
Portugal tem talento. No entanto, o ténis de
mesa feminino nacional vive dias de silêncio. De norte a sul, passando por
ilhas onde antes se respirava desporto de alto nível, a modalidade perde
jogadoras, energia e esperança.
João Costa, treinador e porta-voz das preocupações comuns
As palavras foram simples, mas ecoaram com
força. Após a vitória do Alvito no campeonato nacional de sub-19 por equipas,
em Almancil, concelho de Loulé, no Algarve, o treinador João Costa não
quis exclusivamente celebrar. Aproveitou o momento de visibilidade para deixar
uma reflexão necessária:
“Há poucas atletas jovens a competir.
Precisamos de fazer alguma coisa pelo ténis de mesa feminino”, afirmou frontalmente, ao ser confrontado com o
título conquistado.
As suas palavras expuseram a ferida aberta.
Enquanto algumas equipas resistem, a verdade é que muitas vezes os títulos
femininos são decididos com meia dúzia de formações inscritas. Nos
torneios nacionais, já é difícil preencher um quadro principal de 16 jogadoras
— quanto mais um de 32. É o reflexo de um vazio competitivo preocupante.
João Costa vê o que muitos observam, mas
poucos verbalizam: há um vazio estrutural que nenhuma vitória esconde. Os
clubes de base vivem no limite, como o da Casa do Povo de Alvito, mas são a
esperança que reacende a chama.
Mais do que um desabafo, a intervenção do
treinador minhoto é um apelo. Para que se olhe com seriedade para a modalidade
e para que se deixe de contar somente com os resistentes. Para que o ténis de
mesa feminino ultrapasse o eco e se afirme com uma voz firme e duradoura.
Entretanto, O Clube de Ténis de Mesa de Mirandela acabou por não participar nesta competição, uma vez que apenas tinha disponível uma jogadora chinesa, estando Mariana Santa Comba em período de exames — um reflexo claro da escassez de jogadoras nacionais no escalão de sub-19.
Um país onde a bola deixou de voltar
Nos ‘rankings’ internacionais ainda existem nomes
portugueses. Fu Yu continua a sobressair com as cores da seleção nacional.
Jieni Shao é presença habitual nas competições de topo. Porém, são exceções e
mais do que isso: não foram formadas em Portugal.
O problema não é o topo da pirâmide, mas sim
da base. Há poucas jogadoras a entrar na modalidade. As que entram, na sua
maioria, desistem cedo — muitas vezes antes dos 18 anos. Entre as que se mantêm
até aos seniores, a tendência é a mesma: ausência, desânimo e abandono.
A sangria silenciosa: onde estão as jogadoras?
A realidade é dura como uma rocha. Segundo
dados não oficiais recolhidos junto de treinadores e clubes, há menos de 100
atletas femininas em competição federada regular em Portugal. Um número
alarmante para uma modalidade com longa tradição olímpica.
As razões são múltiplas, mas entre elas
destaca-se um padrão claro: as raparigas chegam tarde, jogam pouco e saem cedo.
Há clubes que nunca tiveram sequer uma equipa
feminina inscrita. Outros que formaram atletas até aos 17 ou 18 anos e depois
as viram partir, sem conseguirem mantê-las no projeto. A falta de competições
exclusivas, de treinadoras, de visibilidade e de reconhecimento faz com que o
ténis de mesa feminino seja, muitas vezes, um percurso solitário.
Quando até as melhores saem de cena
Durante muito tempo, o ténis de mesa feminino
português sobreviveu graças à persistência de atletas experientes. Jogadoras
que continuaram a competir em seniores por paixão, compromisso e amor ao
desporto.
Mas até essas saíram. Algumas cansadas, outras
desmotivadas e outras sem condições para continuar. Muitas que aguentaram a
modalidade durante anos — literalmente — abandonam por falta de condições
competitivas ou de apoio.
Ana Cristina Freitas e Vânia Margarida
Carvalho, por exemplo, duas das grandes
promessas do ténis de mesa nacional do início do século XXI, deixaram a
modalidade muito jovens para seguir os estudos e apostarem na universidade. Presentemente,
são médica e enfermeira, respetivamente.
Quando até as melhores se vão embora, é porque
algo muito mais profundo falha. Hoje, a crise ainda é mais gritante.
Mirandela: o símbolo que já não reluz como dantes
Durante décadas, o Mirandela foi sinónimo de
excelência no feminino. Vários títulos nacionais, nomes como Vânia Margarida
Carvalho, Paula Gonçalves, Susana Paula, entre outras. Era uma referência.
Tinha projeto, tinha visão e base. Presentemente, o clube ainda é o melhor do
país, mas a força feminina dissipou-se.
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Créditos: CTM de Mirandela. A equipa transmontana sagrou-se vice-campeã nacional esta temporada. |
Há cada vez menos jogadoras lusas nos quadros
e a aposta nos escalões femininos parece menor. A pandemia, os cortes no apoio
e a falta de incentivos tornaram a recuperação difícil.
Mirandela é um caso emblemático porque
simboliza o que se perdeu: um polo de desenvolvimento de força que podia ter
sido semente para o país, e que hoje é memória.
A Madeira e o desinvestimento silencioso
Na Madeira, o ténis de mesa sempre teve vida
desde a fundação da Associação da Madeira, em 1988. Clubes como o Estreito, Câmara de Lobos ou a Ponta do Pargo formaram atletas de ambos os sexos, muitos com títulos
nacionais nos escalões jovens. A região foi, durante anos, berço de talentos,
inclusive no feminino.
Mas o panorama atual é preocupante. A Madeira,
que tinha várias atletas femininas em competição entre 1990 e 2010, perdeu jogadoras
de forma abrupta e apostou em atletas estrangeiras. Clubes sem continuidade no
feminino, falta de apoio logístico, e sobretudo ausência de uma estratégia racional
dedicada às raparigas contribuíram para esse vazio. É mais fácil contratar
jogadoras de outros países do que formar. O Governo Regional também fechou a
torneira dos apoios.
Os quadros competitivos atuais são frágeis. Muitas
vezes, uma atleta percorre centenas de quilómetros para disputar duas partidas...
encontros que vão para além do simples desafio. Isso desmotiva, desgasta e
retira o sentido competitivo à formação.
Qual a razão para que não chegam mais meninas?
A resposta é complexa, mas existem quatro pontos
que se tornam evidentes:
— Em primeiro lugar, há faltas de
referências. Sem verem atletas femininas nas notícias, nos cartazes, nas
redes ou na televisão, as raparigas não sabem que o ténis de mesa é para elas.
A ausência de modelos impede a projeção do sonho;
— Os clubes estão demasiado centrados no
masculino. Há clubes que não aceitam raparigas, outros que não as inscrevem em
competições, e muitos que não têm treinadoras nem balneários adequados. Sem
estrutura, não há adesão;
— Há falta de continuidade e existem também jovens
que jogam até aos 17 ou 18 anos e optam pelos estudos ou entram mercado
laboral. Outras ficam presas em clubes
sem projeto. O talento perde-se por falta de planos a médio prazo;
— Por fim, existe desvalorização social. Para
muitas famílias e comunidades, o desporto ainda é visto como uma ocupação
secundária — e isso pesa mais sobre as raparigas. Se não se valorizar o papelda mulher no desporto, elas não ficam.
O que se pode fazer? Cinco caminhos possíveis
Embora o cenário seja preocupante, por agora
ainda há margem. Existem também exemplos de sucesso lá fora e cá dentro, que
podem ser replicados. Não é plágio. É
aproveitar o que melhor se faz na modalidade. As sugestões que apresentamos são
as seguintes:
— Elaborar campanhas escolares dedicadas a jovens.
Ir às escolas, mostrar a modalidade, levar atletas femininas. Fazer workshops,
treinos abertos, jogos de demonstração. Plantar a semente onde tudo começa;
— A criação de torneios regionais femininos
com prémios monetários é fundamental. Mesmo com poucos clubes, é possível criar mini circuitos regionais só para raparigas. Com calendário regular, patrocínio
local e visibilidade. Competir faz a diferença e ganhar motiva;
— A formação de treinadoras é também um detalhe
importante. Dar bolsas, apoio e incentivo a mulheres que queiram ser
treinadoras. Quanto mais senhoras nos bastidores, mais meninas na linha da
frente;
— Os projetos-piloto financiados é também uma
solução interessante. Escolher três a cinco clubes por região para desenvolver
projetos de captação feminina — com financiamento, divulgação, e objetivos
claros. Apostar onde pode nascer algo;
—
Finalmente, a comunicação estratégica é, cada vez mais, essencial em todos os
setores. Investir nesta área dedicada ao feminino: entrevistas, vídeos,
redes sociais com histórias de jogadoras, clubes femininos e bastidores. Tornar
visível o que existe.
O jogo ainda vai no equador
O ténis de mesa feminino em Portugal está
longe de estar perdido. Contudo, já não está seguro. Está num ponto de viragem.
E exige decisões corajosas — da Federação, dos clubes, das autarquias e dos
próprios praticantes.
Há talento e existe vontade. Falta estrutura,
foco e continuidade. As meninas portuguesas têm tanto potencial como quaisquer
outras no mundo. Precisam apenas que o caminho lhes seja aberto — e mantido.
Não se pode esperar que a próxima campeã
chegue por acaso. Terá de se formar, de descobrir e também de apoiar.
Porque a mesa está lá. A raquete também. Só falta
ouvir novamente o som da bola — do lado delas.
Por fim, entendemos que a atual Direção da
Federação pode encontrar dificuldades na implementação de medidas para o
desenvolvimento do ténis de mesa feminino.
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