Jieni Shao de Anshan à elite do ténis de mesa

                                                          Por António Vieira Pacheco
Jieni a muralha chinesa ao serviço de Portugal.
Créditos: FPTM. Shao Jieni, a guerreira que leva o nome de Portugal aos grandes palcos.

 A fénix de Anshan que renasceu em Portugal

No coração silencioso de Anshan, sob o céu vasto e sereno da China, nasceu Jieni Shao, a 24 de janeiro de 1994. Como uma pétala desprendida do ramo ao sabor do vento, a jovem encontrou no ténis de mesa o seu destino — um chamado precoce ecoar com a doçura de uma paixão inevitável.

Na sua terra natal, onde o desporto é cultivado com rigor e reverência, Jieni cresceu entre salas de treino e murmúrios de raquetes. A China, berço da excelência nesta modalidade, foi o seu primeiro palco. Ali, entre milhões, ergueu-se como uma promessa rara, talhada em disciplina e fome de superação.

A sua estreia como atleta profissional aconteceu em Pequim, cidade de contrastes e tradições, onde se moldam campeões com o aço da exigência.

✈️ A travessia do mundo

Com somente 16 anos, Jieni deixou para trás as muralhas do Oriente para cruzar continentes rumo ao desconhecido — Portugal. Na bagagem, trazia mais do que equipamentos e sonhos: transportava uma coragem silenciosa, própria de quem ousa reinventar-se longe de casa.

A adaptação não foi somente linguística. Foi emocional. Cultural. Tática. Era preciso reaprender a ler os rostos, a entender os ritmos de treino, a reconhecer os silêncios e os aplausos.

Instalou-se em Gondomar, cidade tranquila do norte português, que a acolheu com o calor típico da alma lusitana. A comunidade abraçou-a. E ela, com gratidão e garra, começou a escrever uma nova história — não somente como jogadora, mas como símbolo vivo de resiliência.


O estilo de uma canhota singular

Jieni não é somente diferente por onde nasceu. É esquerdina — e isso, no ténis de mesa, é uma raridade com peso. Menos de 10% da população partilha esta condição, e no desporto, essa minoria transforma-se em vantagem.

A sua mão esquerda dita ritmos inesperados, curvas imprevisíveis, velocidades que confundem. A cada serviço, imprime um ‘spin’ que desafia a lógica, obrigando as adversárias a dançar no compasso que ela escolhe.

Com uma pega clássica, equilibra controlo e ataque, mesclando suavidade com agressividade calculada. Em cada ponto, uma declaração silenciosa: aqui joga-se com arte e estratégia.

Do desconhecido ao palco Internacional

Aos poucos, o nome Jieni Shao deixou de ser apenas murmurado entre colegas. Tornou-se reconhecido. Temido. Admirado.

A sua ascensão foi feita degrau a degrau, sem pressa, mas sem pausas. Portugal passou a vê-la como uma das suas maiores referências na modalidade. No mundo, ganhou o respeito de adversárias e o carinho dos fãs.

Conquistas gravadas em Ouro e Bronze

Jogos Europeus (Cracóvia 2023): ajudou Portugal a conquistar o bronze por equipas, sendo peça-chave nos encontros mais duros.

Campeonatos da Europa:

🥈 Prata (Nantes 2019) 

🥉 Bronze (Cluj 2021 e Malmo 2023)

Na Europa Top-16 (Montreux 2023): brilhou nos singulares, arrecadando o bronze, entre as melhores do continente.

Jogos do Mediterrâneo (Orã 2022):

🥈 Prata individual

🥉 Bronze por equipas

Cada medalha que pendura ao peito carrega mais do que pontos ou ‘rankings’: representa as madrugadas no treino, os voos solitários, a saudade de casa, o orgulho de uma nova bandeira.

Jogos Olímpicos: Onde os sonhos têm fôlego maior

Jieni representou Portugal em três edições dos Jogos Olímpicos:

                                                             Rio de Janeiro 2016

                                                             Tóquio 2020

                                                             Paris 2024

Em Paris, a sua participação foi exclusivamente na prova individual de singulares. A caminhada começou com uma vitória frente à luxemburguesa Sarah de Nutte, por 4-2. No embate seguinte, enfrentou a austríaca Sofia Polcanova, número 23 do mundo. Apesar de vencer o primeiro ‘set’ e salvar match points no sexto, cedeu por 4-2, terminando entre as 17 melhores do mundo.

Mas ali, no epicentro da glória olímpica, não foi a derrota que marcou o seu nome, mas sim como jogou — com bravura, serenidade e dignidade.

Mais do que uma atleta: Um símbolo de transformação

Ser atleta de elite não é apenas vencer — é resistir. Jieni resistiu às diferenças, aos muros invisíveis da cultura, ao frio da distância. Tornou-se cidadã portuguesa em 2015, e desde então veste as cores da nação com amor e entrega.

Hoje, representa o Etival Clairefontaine, clube francês onde o desporto é vivido com paixão e exigência. Ali, como em todos os palcos, continua a deixar a sua marca.

O futuro ainda por escrever

As páginas da sua história continuam longe do fim. Como uma fénix, continua a renascer, mais forte a cada etapa. Inspira jovens atletas, quebra barreiras invisíveis e mostra, com o seu exemplo, que é possível cruzar o mundo e, ainda assim, encontrar um lugar chamado casa.

A sua jornada é um poema feito de suor e luz, onde cada linha ecoa a verdade de quem nunca deixou de acreditar. Jieni não é apenas uma campeã — é uma metáfora viva da superação. 

Atualizado a 24 de julho de 2025.

 

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