Campeão Nacional Absoluto: A meta que falta a Gastão Elias

 🖋️Por: António Vieira Pacheco

📸 Créditos: Federação Portuguesa de Ténis

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Gastão Elias festeja.
Gastão Elias festejará pela primeira vez o título de campeão nacional?

Chegou a hora de Gastão Elias?

Aos 35 anos, Gastão Elias prepara-se para disputar o Campeonato Nacional Absoluto de ténis, entre 15 e 21 do corrente mês. Fá-lo com a serenidade de quem já viveu quase tudo no campo de ténis e com a ambição intacta de quem ainda sente que falta um troféu no currículo. É o único dos grandes tenistas portugueses do século XXI que prolongou a carreira para lá dos 35 anos. Num percurso onde o talento esteve sempre acompanhado pela resistência a sucessivos contratempos físicos.

A participação no Nacional é, também, um reencontro com um torneio que nem sempre encaixou no calendário internacional do jogador. Desta vez, surge no momento ideal: entre a experiência acumulada, a continuidade competitiva e a proximidade de uma fase nova da sua vida pessoal, com a paternidade prevista para 2026.

Raízes que moldam um campeão

Natural do Casal Novo, na Lourinhã, Gastão Elias cresceu num ambiente onde o ténis era mais do que um desporto: era uma parte da identidade familiar. Para o pai, também chamado Gastão, para a mãe, Dolores, e para a irmã, Beatriz, o mais novo era o Pepe, o miúdo que começou a bater bolas no campo de ténis de casa aos quatro anos.

Aos primeiros gestos infantis juntou-se rapidamente uma noção precoce de coordenação e de ritmo. Quando começou a competir, confirmou-se que não era somente entusiasmo: era talento puro. Entre 2001 e 2005, conquistou títulos nacionais em Sub-12, Sub-14 (por duas vezes) e Sub-16, um domínio que o transformou numa das grandes esperanças da modalidade em Portugal.

Gastão Elias com o troféu na mão do Porto Open.
Gastão Elias com o troféu do Porto Open nas mãos, ao lado da sua companheira.

A projeção internacional não tardou. Em 2008, terminou a época como 6.º do ‘ranking’ mundial de juniores, num circuito onde já se cruzava com nomes que hoje fazem parte da elite do ténis mundial. Nessa altura, tudo parecia apontar para um caminho ascendente, direto e inevitável rumo ao topo.

Da Florida ao court de Federer

O talento não passou despercebido além-fronteiras. O Mágico teve a IMG como seu agente, a mais poderosa agência de representação no mundo do desporto, e integrou o grupo de elite da Academia de Nick Bollettieri, na Florida. Ali partilhou treinos com jovens que seriam estrelas mundiais e absorveu a cultura de alta exigência que marcou várias gerações de campeões.

O reconhecimento chegou também de quem já estava no topo. Em 2007, Roger Federer convidou-o para Monte Carlo, para auxiliar na preparação da temporada de terra batida. Ainda júnior, Elias enfrentou o ritmo da lenda suíça e provou que não era somente promessa — era alguém com capacidade para treinar ombro a ombro com o melhor de sempre.

Parecia o início de uma ascensão inevitável. Mas o ténis, tantas vezes ingrato, tinha outros planos.

Quando o corpo fala mais alto

Foi nesse período que surgiram os primeiros sinais de contradição. O corpo começou a revelar fragilidades anatómicas, sobretudo nos membros superiores, que não estavam preparados para absorver repetidamente o impacto dos golpes mais intensos. As lesões tornaram-se frequentes, persistentes e, por momentos, ameaçaram a continuidade da carreira.

Houve períodos longos de paragem, dúvidas acumuladas e a sensação de que o trajeto natural era desviado por fatores impossíveis de controlar. Teve a carreira em risco mais do que uma vez. No entanto, nunca desapareceu. Treinou, reabilitou, voltou a treinar e regressou, sempre com a mesma ideia fixa: não permitir que a história ficasse incompleta.

A resiliência, mais do que qualquer pancada, tornou-se a sua marca competitiva.

O renascimento de 2016

A persistência teve recompensa. Em 2016, Elias viveu o melhor ano da carreira. Resultados consistentes no circuito ATP permitiram-lhe ascender ao 57.º lugar do ‘ranking’ mundial, a segunda melhor classificação de sempre alcançada por um português, numa fase onde o ténis nacional atravessava um período de desmedida visibilidade.

Ocorreu com o auge de João Sousa, que nesse período conquistava títulos e ocupava o centro mediático. Era natural que parte das atenções se deslocassem, mas no circuito, entre jogadores e técnicos, havia plena consciência da qualidade e do mérito do percurso de Elias.

Foi um ano que confirmou o que tantos viam desde os tempos de júnior: quando o corpo permitia, Elias tinha ténis suficiente para incomodar jogadores de topo, vencer torneios e entrar nos quadros principais do Grand Slam.

Um sobrevivente do circuito

Com o avançar dos anos, a carreira não se facilitou. O ténis moderno exige intensidade constante, resistência física e uma estabilidade que o Mágico teve, demasiadas vezes, de reconstruir. Mas é aqui que se distingue dos restantes: quando quase todos os jogadores portugueses da sua geração já tinham arrumado as raquetes, Elias manteve-se.

É, hoje, o primeiro tenista profissional português a competir para lá dos 35 anos com rotina de circuito, ‘ranking’ e ambição competitiva. Essa longevidade é rara em qualquer país; em Portugal, é inédita.

Ao contrário de muitos jogadores que se despedem discretamente, o nativo da Lourinhã nunca desistiu de procurar cada pequeno objetivo que ainda lhe acrescenta sentido. E é neste contexto que surge o regresso ao Campeonato Nacional Absoluto.

Um título que falta

A inscrição no Absoluto é mais do que um gesto simbólico. É a oportunidade de conquistar um título que nunca coincidiu plenamente com o momento certo da carreira: ou estava lesionado, ou a época internacional não permitia desvios, ou simplesmente a prioridade era outra. Jaime Faria e Tiago Pereira serão principais concorrentes à conquista do título, que também nunca o ergueram.

Agora, com maturidade competitiva, com uma ligação emocional mais profunda ao ténis português e com a perspetiva de um novo capítulo pessoal, o torneio ganha significado adicional. Não se trata somente de competir: trata-se de completar algo que ficou por escrever.

O court onde começou, no Casal Novo, está muito longe destes palcos, mas a essência é a mesma: a bola, a raquete, a vontade de jogar.

Um legado para além dos resultados

Há carreiras que se medem por ‘rankings’, títulos e estatísticas. A de Elias também se mede assim, mas não só. Mede-se pela forma como sobreviveu aos obstáculos, pela perseverança em momentos em que tudo parecia perdido e pela capacidade de regressar repetidamente.

É um percurso que inspira jovens jogadores e que recorda a importância de resistir quando o caminho deixa de ser linear. A próxima etapa da sua vida — a paternidade em 2026 — chegará, muito provavelmente, com a sensação de dever cumprido dentro e fora do court.

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