Ana Filipa Santos: O peso do sonho
Por António Vieira Pacheco
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Créditos: FPT. Um impressionante relato de uma jovem que gosta de jogar ténis. |
No meio do silêncio das raquetas, escuta-se um grito surdo, um eco de quem resiste — mesmo quando o corpo já não quer e a alma hesita. Ana Filipa Santos, 29 anos, voltou a tentar. Voltou a cair. E, hoje, foi eliminada na primeira ronda do qualifying no Oeiras CETO Open. E, ainda assim, voltou a levantar-se.
Não é só uma frase. É um suspiro de
quem passou por tudo: rotura de ligamento cruzado, menisco com rotura, uma hérnia inguinal que
escondeu a sua identidade nas dores difusas. E a seguir, a incerteza, o
desespero, o corpo que não responde e a mente que não descansa.
“É o corpo a habituar-se”, diz ela, mas também é o espírito a
aguentar-se. Porque neste mundo do ténis, onde o brilho raramente chega a quem
mais luta, a resiliência é um vício e um castigo.
Quando 90 € e um sonho são tudo o que
se tem!
No Algarve, Ana Filipa tinha 90 € na
conta bancária. Ganhou 750 €. Parece uma vitória, mas foi comprada com Voltaren,
relaxantes musculares e dores insuportáveis. “Não me posso dar ao luxo de
desistir”, proferiu emocionada.
Neste palco, os bastidores estão longe dos holofotes. E é nessa crueza que mora
com a sua grandeza.
Com um mestrado em Engenharia de Micro e Nanotecnologias pela FCT NOVA, ela tem um plano B. Mas o sonho ainda é o primeiro. Trabalhou como comentadora de ténis — “um dinheiro extra que me ajuda imenso”, revelou —, pensa ir para os EUA ou Dubai dar treinos — não por gosto, mas por necessidade.
“Para mim é muito difícil dar treinos…,
mas presentemente penso ir… para ganhar esse dinheiro e depois ficar tranquila
a fazer o que eu quiser.”
Não se trata de querer luxo. Trata-se
de querer jogar. Em paz. Com tempo, com saúde e com dignidade.
“Este ano não contou”: quando o tempo
foge, mas o sonho insiste
A sua carreira só começou verdadeiramente no final de 2020. Covid. Lesões. Cirurgias. Um eterno recomeçar. Mas há clareza agora: “Tenho de arranjar soluções para conseguir jogar seis meses deste ano como eu quero. Mesmo que perca tudo, até o ‘ranking’”.
Porque quando a paixão é maior que o
medo, resta tentar. E tentar é já vencer.
Também nós: um blogue que resiste
Este blogue, tal como a Ana Filipa Santos,
também resiste. Feito com amor, gratuito, fora das modas e das facilidades.
Feito de noites, de vontades, de sacrifícios que não se veem. Às vezes sem
certezas. Sempre sem retorno. Mas com verdade.
Porque acreditamos que estas histórias merecem ser contadas. Porque o desporto, para nós, é muito mais que vitórias. É humanidade.
“Não há algo de que eu goste mais do que jogar”, proferiu. E não há frase que resuma melhor esta luta.
A alentejana não pede caridade.
Pede oportunidade. E nós, aqui, deixamos a nossa raqueta escrita a bater por
ela — e por todos os que, como ela, não desistem do impossível e dos seus sonhos.
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