A verdadeira rainha regressa: O trono é de Francisca Jorge
Por António Vieira Pacheco
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Créditos: FPT: Kika está nas meias-finais de Palma del Río. |
No ténis, como na vida, há quem
precise de falar alto para ser ouvido — e há quem fale baixinho, mas com
autoridade. Francisca Jorge é das segundas. A sua voz escuta-se com uma
raquete na mão, os olhos fixos na linha de fundo, e os pontos a cair com a
regularidade de um relógio suíço.
Esta sexta-feira, em Palma del Río,
Espanha, a número 258 do ‘ranking’ WTA demonstrou que o talento pode andar
calado, mas nunca está ausente. Derrotou a mexicana Victoria Rodriguez (414.ª,
ex-216.ª do mundo) com a clareza de quem sabe o que quer: 6-2 e 6-2. Com essa
vitória, garantiu não só um lugar nas meias-finais do torneio ITF W50+H, como
também o regresso ao posto de número um nacional.
Sim, a rainha voltou. E não precisou
de nenhuma proclamação oficial. Bastou-lhe entrar em campo — e deixar a sua
arte falar.
Uma partida com sabor a realeza
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Créditos: FPT. Kika festeja mais um triunfo. |
Kika entrou no court como terceira
cabeça de série e, desde cedo, deixou claro quem mandava. Começou por
conquistar um break, foi surpreendida logo a seguir, mas não perdeu o fio ao
jogo. Num ritmo que combinou paciência com agressividade, acabou a primeira partida
com três jogos consecutivos. Fria, firme, focada.
O segundo ‘set’ seguiu o mesmo guião.
Rodriguez ainda tentou contrariar, ainda quebrou uma vez, mas Francisca
respondeu sempre com mais força. Como quem diz: “Pode tentar, mas este trono é
meu.”
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Créditos: FPT. A rainha regressa ao trono. |
Com a vitória, somou 19 pontos WTA, elevando o seu total para 304 pontos. Isso significa duas coisas: o regresso ao estatuto de número um de Portugal — ultrapassando a irmã Matilde — e uma subida para 242.ª no ‘ranking’ virtual. Não é só um resultado. É uma afirmação.
Uma dinastia entre irmãs
Para entender a importância desta
conquista, é preciso olhar para a história recente do ténis nacional. Há cerca
de duas semanas, a irmã mais nova, Matilde Jorge, alcançou algo inédito:
tornou-se número um nacional, ultrapassando Francisca pela primeira vez. Um
feito justo, fruto de consistência e crescimento.
Mas esta troca de posições não é um
drama familiar. Muito pelo contrário. As irmãs Jorge são um caso raro de cooperação
competitiva. Rivalidade saudável, apoio incondicional. Quando uma sobe, a outra, empurra. Quando uma cai, a outra ampara.
Este regresso de Francisca não é uma reposição forçada. É uma rotação natural no trono de um ténis português que começa finalmente a ver o talento feminino a ser reconhecido e valorizado.
Palma del Río: mais que um torneio
Seria injusto olhar para este torneio
como mais um passo no calendário. Para Kika, Palma del Río é um
marco. É ali que volta a carrilar uma temporada que já a viu em duas
finais — Montemor-o-Novo e Guimarães — mas que pedia um novo impulso.
Este torneio não lhe dá só pontos. Dá-lhe confiança.
Francisca nunca foi dada a
protagonismos exagerados. A sua personalidade espelha-se no jogo: serena,
calculista, elegante. Mas não se deixem enganar pela suavidade — há força ali,
muita força. A força de quem já esteve entre as 200 melhores do mundo (foi
176.ª), de quem já representou Portugal em dezenas de ocasiões, e de quem luta
todos os dias para voltar aos grandes palcos.
Este regresso à liderança nacional é mais do que uma estatística. É um resgate de identidade. Uma jogadora que passou meses a trabalhar no silêncio, longe dos holofotes, mas com um objetivo claro: voltar. E voltou.
O trono não se exige — conquista-se
Num mundo onde se pede barulho para
ganhar atenção, a vimaranense prova que ainda há espaço para o talento que
fala baixinho. Que não se queixa, não exige, não dramatiza — joga.
A sua ascensão novamente ao topo do
ténis português é um lembrete: o desporto é feito de constância, de trabalho
invisível, e de saber cair e levantar. E é também feito de paciência. Porque há
momentos em que o talento demora a dar frutos, mas quando dá... é doce como o
sabor da vitória.
Um castelo em Guimarães, um reino no mundo
Francisca Jorge é de Guimarães, berço
da nação. E há algo profundamente simbólico nisso. Como se a força da sua
cidade natal se projetasse na forma como disputa cada ponto: com coragem, com
orgulho, com dignidade.
Mas o seu trono vai para além de
Portugal. Ela joga para algo maior — para colocar o nome do país em torneios
internacionais, para ser referência, para inspirar jovens que hoje treinam em
clubes locais a acreditarem que é possível.
O ténis português precisa de figuras
assim. Que ganhem, sim. Mas que representem. Que deixem marca, dentro e
fora de campo.
Próxima paragem: final?
Nas meias-finais, Francisca Jorge
enfrentará Eva Vedder, neerlandesa, atual 278.ª do ‘ranking’. Não será um
encontro fácil. Vedder vem de eliminar Anna-Lena Friedsam (232.ª) com um
contundente 6-1 e 6-3. Mas quando se chega a esta fase de um torneio, não há
jogos fáceis — há oportunidades.
E Francisca parece mais do que
preparada para agarrar a próxima. Se chegar à final, será a terceira do ano.
E quem sabe se não será também a mais simbólica.
Podem trocar-se posições no ‘ranking’.
Podem passar-se semanas, meses, entre altos e baixos. Mas há algo na portuguesa que não muda: a atitude de número um.
É isso que a diferencia. Não é apenas
por ter mais pontos ou estar mais acima. É pelo que representa, pelo que
inspira, pela maneira como leva o nome de Portugal nas costas — com leveza, com
orgulho e com a classe de quem nasceu para isto.
No fim, o trono está em boas mãos
O ténis é um desporto solitário. Mas
quando uma jogadora portuguesa regressa ao topo, não está sozinha. Leva com ela
todos os que acreditam, todos os que treinam, todos os que sonham.
Agora, que se toquem os sinos —
discretamente, como ela gosta — e que os olhos se voltem para Palma del Río.
Porque a história está a ser escrita. O melhor ainda pode estar por chegar,
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