Érica Glória revela: “Consigo apanhá-los desprevenidos”
🖋️Por: António Vieira Pacheco
📸 Créditos: Federação Portuguesa de Badminton
⏱️ Tempo de leitura: 6 minutos
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| Érica sagrou-se, ao lado do irmão, campeã nacional de pares mistos sénior. |
Raízes em Peniche
Aos 18 anos, Érica Glória carrega
consigo não somente talento, mas também o espírito de Peniche em cada
passo. Uma cidade costeira ensina, desde cedo, que é preciso coragem para
desafiar limites. Seja a enfrentar as ondas do Atlântico ou as incertezas da
vida, essa lição acompanha quem lá cresce.
Érica nasceu nesse cruzamento de
brisa atlântica e persistência continental. Essa combinação a impulsiona a
explorar territórios desconhecidos, começando pelo mundo do desporto.
Foi aos sete anos, que encontrou o
seu primeiro contacto com o badminton. Entre raquetes e volantes a rasgar o ar,
descobriu que as linhas do court podiam ser tão desafiantes quanto as ondas da
sua cidade natal. Mais do que força ou velocidade, aprendeu que a modalidade é
sobretudo um jogo de estratégia, leitura de espaço e precisão. Cada movimento,
cada passo, parecia fazer parte de uma coreografia invisível, onde cada ponto
era uma nota e cada vitória, uma melodia.
Nos primeiros treinos, após as
aulas, corria para o court. A luz refletia no piso e o eco do volante batendo
na raquete soava como música. Ali, descobriu a sua primeira paixão. O ritmo do
jogo, a cadência do ataque e da defesa, e a beleza de cada golpe bem executado.
Primeiras conquistas
O momento em que percebeu que o
badminton podia ser mais do que um jogo recreativo remonta à infância. “Lembro-me
bem, era sub-11 e ganhei o meu primeiro nacional”, revive, com o brilho nos
olhos que ainda guarda da excitação daquele primeiro triunfo. Essa vitória
marcou o início de uma relação profunda com o desporto. Transformou a
brincadeira em paixão e, eventualmente, em vocação.
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| Érica concentrada e com foco no êxito. |
Adolescer em Peniche, cidade conhecida por moldar personalidades fortes, teve impacto direto na formação como atleta.
“Cresci no Stella Maris e isso ensinou-me a lidar com
desafios, imprevisibilidade e esforço constante. Era um ambiente exigente, mas
muito formador.”
A disciplina, o foco e a resiliência
desenvolvidos desde cedo mostraram-se fundamentais para encarar os rigores de
um percurso desportivo de alto nível.
Entre treinos exaustivos e partidas
acirradas, Érica aprendeu a importância do detalhe. Cada movimento da raquete,
cada posicionamento, era analisado e repetido até que a precisão se tornasse
instintiva. Os dias decorriam entre a escola e o court, e os fins de semana eram
preenchidos com torneios que a levavam a outras cidades. Assim, alimenta a sua
paixão e molda a sua determinação.
Vida internacional
Ao longo da sua curta, mas intensa
carreira, Érica acumulou títulos nacionais nas categorias jovens. Depois disso,
começou a trilhar um caminho internacional que a divide entre Portugal, França
e Espanha.
Em território nacional, representa o
CHE Lagoense; em França, veste as cores do Vitrolles de Marselha; e em Espanha,
compete pelo Atlos de Ourense. Fora de Portugal, limita-se a participar em
interclubes, mas isso não diminui a sua presença em court. Cada ponto e cada
jogada revelam o rigor de uma atleta que domina o espaço. É a confiança de quem
sabe exatamente onde colocar cada passo e cada batimento.
Conciliar diferentes calendários competitivos exige grande capacidade de adaptação.
“As épocas funcionam
diferentes entre Portugal e França… concentrar-me-ei mais nestes dois países no
próximo ano. Será o meu primeiro ano de sénior
e a carga de torneios é menor comparada ao corrente ano”, revela.
Cada país acrescenta ‘nuances’ à sua
formação: em Marselha, os treinos são intensos e voltados para ritmo e
resistência; em Ourense, a disciplina espanhola reforça a estratégia e o jogo
coletivo; em Portugal, a tradição e paixão pelo desporto oferecem um equilíbrio
emocional que a mantém motivada.
As viagens frequentes tornam-se
imersões culturais e oportunidades de crescimento. Entre aeroportos, hotéis e
courts, Érica aprende a gerir o tempo, a energia e a concentração. E
metamorfoseia desafios logísticos em experiências de amadurecimento.
A escolha pelos pares
A transição do jogo individual para
os pares não foi uma desistência, mas sim uma decisão estratégica.
“Sempre me diverti imenso a jogar com
alguém ao meu lado. Pressenti que essa seria a melhor aposta para ser candidata
aos dois títulos de campeã nacional. Hoje sinto que foi a decisão mais
acertada”, confessa.
O badminton em duo exige mais do que coordenação. Obriga à comunicação,
compreensão do outro e antecipação constante de movimentos.
Nos treinos, a sintonia é construída
ponto a ponto. Érica observa o parceiro, ajusta posições e antecipa ações. Cada
gesto é parte de uma comunicação silenciosa. Nos momentos de pressão, essa
cumplicidade permite transverter jogadas em diálogos estratégicos e momentos de
pura arte competitiva.
Em pares, partilhar o court significa mais do que dividir espaço. É criar uma linguagem própria, baseada em confiança, leitura de jogo e apoio mútuo.
“Devemos sempre considerar quem temos ao nosso lado… saber como apoiá-la nos momentos que mais precisa”, explica. “Tento sempre pensar entre os batimentos, mas no jogo de pares nem sempre é possível devido à velocidade a que tudo acontece, consequentemente tenho que ser bastante intuitiva”, acrescenta.
O entendimento mútuo possibilita que
cada jogador explore os pontos fortes e cubra as fragilidades do outro. É esse
equilíbrio muitas vezes decisivo para o sucesso da dupla.
Expressão e estratégia
É acompanhada que Érica sente que
pode expressar plenamente a sua capacidade estratégica. “Expresso muito
melhor a parte tática… encontrar aquele ‘buraco’ entre eles é chave.” Cada
ponto é uma mistura de cálculo e intuição, onde pensar e reagir coexistem harmoniosamente.
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| Érica voa para a glória para concluir ponto e encontro. |
A sua maior arma é justamente a
leitura do jogo.
“Tento sempre ler o que os meus
adversários irão fazer… consigo apanhá-los desprevenidos”, destaca.
Essa habilidade exige paciência, observação e autoconfiança, transformando cada partida num verdadeiro jogo de xadrez em tempo real.
Ciências Forenses e alto rendimento
Além da carreira desportiva, Érica concilia os treinos com uma exigente formação académica em Ciências Forenses e Criminologia, em Gandra, Paredes.
“Tem sido cansativo. Passei muito tempo
fora este ano quando estive a jogar o Mundial de juniores e quando voltei era
muita matéria exigente acumulada, o que é difícil de recuperar.”
A disciplina e a organização
necessárias para conciliar estudo e desporto de alto nível são evidentes nela.
Esses atributos refletem o seu carácter determinado. Revelam também a sua
capacidade de gerir múltiplas responsabilidades sem comprometer a qualidade em
nenhuma delas.
Olhar para o futuro é feito com metas
concretas. “Espero estar licenciada daqui a três anos e contar com presenças
na seleção nacional.” A ambição é estruturada e equilibrada, refletindo
maturidade acima da média para alguém da sua idade.
Ritmo e personalidade
Se o seu estilo de jogo tivesse som,
seria suave, mas assertivo. “Careless Whisper, de George Michael”,
responde. A escolha revela um lado sensível que transparece na sua exatidão e
delicadeza em court.
Ao contrário de muitos atletas, Érica não vive de superstições.
“Não sou nada supersticiosa”, confidencia. O
que a move é treino, estratégia e consciência corporal, mais do que rituais ou
amuletos.
Quando questionada sobre qual o batimento a representa, não hesita:
“Qualquer golpe onde o adversário não saiba para onde vai o volante.”
A imprevisibilidade é parte da sua filosofia de jogo.
A capacidade de surpreender é o que a torna uma adversária respeitada e temida.
Amuletos invisíveis
Apesar de não acreditar em
superstições, existem objetos com valor sentimental. “Os meus anéis e o meu
fio de ouro… um anel da minha mãe e o fio que me ofereceram quando era bebé”,
revela.
Não são amuletos, mas lembranças que
a acompanham e dão-lhe força nos momentos decisivos. Recordam-na das raízes e
da importância da família.
Inspirar e expandir horizontes
Érica não é somente uma atleta; é uma
estratega que estuda o jogo e a vida. Consegue transformar movimentos em arte,
vitórias em aprendizagem e desafios em oportunidade.
Ainda jovem, continua a
expandir os seus horizontes, dentro e fora do court. Ela prova que talento e
disciplina caminham juntos para a excelência. Cada treino, viagem e torneio
internacional acrescenta uma camada à sua história. Isso torna-a não exclusivamente
competitiva, mas também inspiradora para todos os que acompanham o seu
percurso.
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