Ténis de Mesa nos Açores: Nove ilhas, três com sucesso no equador do Oceano Atlântico
Por António Vieira Pacheco
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Créditos: FPTM. Júlia Leal é o nome mais sonante do ténis de mesa açoriano. |
Ondas de futuro!
Nas nove ilhas do arquipélago, onde o
vento leva histórias e o mar molda os dias, há um desporto que cresce em
silêncio. Longe das luzes do futebol, distante do barulho dos pavilhões cheios,
o ténis de mesa floresce nos Açores como uma árvore resistente nas brumas da
serra. Discreto, mas firme. Leve, mas sério. Uma modalidade onde a leveza da
bola contrasta com o peso da dedicação.
Enquanto o mundo gira depressa, nas
salas dos clubes de São Miguel, Terceira e Pico, a bola gira também — rápida,
imprevisível, obedecendo somente ao compasso do gesto e à escuta do instante. No
ténis de mesa das nove ilhas açorianas, não se vê apenas um jogo: ele é uma
prática, uma trajetória, uma forma de comunicação entre diferentes gerações.
Pequenas salas, grandes sonhos
Tudo começa de forma simples. Uma
mesa que serve de palco, duas raquetes como extensões das mãos, uma rede que
separa mundos, e uma bola delicada, leve como um suspiro. Nas escolas e nos clubes locais que muitos
jovens açorianos descobrem esta modalidade, muitas vezes por acaso. Mas o que
começa como curiosidade, depressa se transforma em paixão — e, em alguns casos,
em percurso competitivo sério.
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Créditos: RTP Açores. Regionais dos Açores. |
Na ilha de São Miguel, o Clube União
Desportiva do Porto Formoso tem sido um berço, onde se semeia o
futuro do ténis de mesa com mãos pacientes e corações dedicados. É ali que
nomes como Ema Pacheco, Afonso Mendonça ou Júlia Vieira começaram a construir o
seu percurso, com treinos diários e espírito de superação. A dedicação destes
jovens é notável: entre a escola, os treinos e as viagens para competições
regionais ou nacionais, o ténis de mesa transforma-se numa disciplina de vida.
Do Pico emergem nomes como o Grupo
Desportivo da Casa do Povo da Madalena e o icónico Grupo Desportivo Os Toledos,
que no passado brilhou em competições nacionais e internacionais e fez ecoar o nome da ilha fora
de portas. Ainda hoje, os seus pavilhões acolhem treinos, menos do que o passado, torneios
locais e o entusiasmo de quem encontra no jogo uma paixão que se transmite de
geração em geração.
Juncal, Terceira: Um farol de excelência
No cenário tranquilo da
Terceira, entre campos verdejantes e construções de outros tempos, sobressai um
nome de peso: o Clube Desportivo Social do Juncal, fundado em 2003. A história do clube,
iniciada em 2003, é exemplo de como o esforço local pode gerar projeção
nacional. Em 2019, a equipa masculina venceu o Campeonato Nacional da 1.ª
Divisão, um feito histórico para um clube insular.
Essa conquista não foi um acaso. Esse
feito foi resultado de um projeto sólido, que contou com a presença de
jogadores e jogadoras estrangeiros experientes. A presença em competições
europeias, como a Taça ETTU, tornou o Juncal um embaixador da Terceira em
palcos internacionais.
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Créditos: FPTM. A estrela açoriana do ténis de mesa. |
Competições com alma insular
Todos os anos, o calendário do ténis
de mesa nos Açores preenche-se com torneios regionais e nacionais. O Campeonato
Regional, que teve lugar na Terceira e no Pico, juntou dezenas de atletas dos
três principais polos da modalidade.
Mais do que competições, o 'Cidade da
Ribeira Grande' e o Torneio do Arrifes — dinamizados pela incansável Associação de Ténis de Mesa de São Miguel —
tornam-se cenários de comunhão, onde o ténis de mesa se mistura com o espírito
de pertença e superação.
As partidas são guiadas pelo
respeito, pela honra e por um senso coletivo de dedicação. Cada raquete
representa horas de treino, cada ponto é uma conquista contra o isolamento e as
dificuldades logísticas de competir num arquipélago.
Silêncio, precisão e escuta
O ténis de mesa exige uma atenção
rara. Os atletas não falam, escutam. Não correm, deslocam-se com leveza. Nem gritam, respiram. O movimento carrega um ar meditativo — cada ponto surge como
um momento único como um bailado, que merece ser vivido com total atenção e
presença.
Nos Açores, esse ritmo encaixa com
naturalidade. Aqui, os dias deslizam num ritmo diferente, e o jogo desenha-se
com profundidade.
Nas ilhas, o ténis de mesa é a respiração do próprio lugar — um sussurro que
chama ao silêncio, um convite à presença, um ensinamento de paciência que
floresce no tempo.
Resistência, identidade e comunidade
Ser atleta de competição nos Açores é
enfrentar desafios únicos. Os custos de deslocação são elevados, os apoios
escassos e o acesso ao continente obriga a sacrifícios. Ainda assim, clubes
como o Juncal, o Porto Formoso, o Sebastianense e Os Toledos (no vídeo podem escutar a entrevista a André Silva, campeão nacional em 2013/2014 pela equipa da ilha do Pico) mantêm viva a
chama da modalidade com espírito ilimitado e com os apoios do Governo Regional
dos Açores.
As famílias participam, os
treinadores são muitas vezes voluntários, e as vitórias são sentidas como
conquistas coletivas. Cada viagem é uma aventura, cada torneio uma celebração
da resistência.
Entre o mar e a raquete
A geografia insular é um desafio, mas
também fonte de inspiração. O ténis de mesa, como a vida nas ilhas, exige
adaptação constante. Uma bola ligeira, um movimento preciso, uma resposta
imediata. Há paralelismos entre o jogo e o quotidiano açoriano: a observação
cuidadosa, o tempo certo, o respeito pelo adversário e pela natureza.
No Juncal, essa ligação é visível. Os
treinos decorrem entre o verde das encostas e a brisa do Atlântico. No Pico, o
vulcão vigia silenciosamente os jogos. Em São Miguel, o eco do mar mistura-se
ao som ritmado da bola.
Uma juventude em movimento
Está a crescer nos Açores uma geração
de jovens atletas que alia talento técnico a uma maturidade rara. Contudo, há
muito valor além dos nomes que ganham destaque. Atrás de cada atleta, há uma
ilha, uma escola, um treinador, uma família, uma comunidade.
O ténis de mesa, mesmo com
visibilidade reduzida, molda carácter. Ensina foco, paciência, resiliência. É
uma escola sem quadro nem manual, mas com valores que ficam para a vida.
Um jogo, muitas ilhas, e uma voz
O ténis de mesa nos Açores é uma
lição de persistência e paixão. Numa região onde tudo chega mais tarde e custa
mais caro, esta modalidade mostra que o talento, quando cuidado, ultrapassa
fronteiras.
E talvez seja por isso que, mesmo em
silêncio, o som da bola a bater na mesa tenha tanto significado. É um som de
presença. De quem está, de quem insiste, de quem acredita.
Numa mesa de jogo, entre raquetes e
gestos contidos, os Açores encontram espelho: pequenos à vista, imensos por
dentro.
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