Nuno Borges:“Quero desfrutar, pois estou em Wimbledon”

                                                              Por António Vieira Pacheco

Lidador foi cardeal em Wimbledon.
Créditos: ATP Tour. Nuno Borges de joelhos a comemorar o primeiro triunfo em Wimbledon.

Quando o passado regressa, mas em paz

Wimbledon tem memórias para Nuno Borges — algumas difíceis de apagar. Em 2023, lesionou-se contra Francisco Cerúndolo, num dos courts sagrados do All England Club. Dois anos depois, reencontra o mesmo adversário, num palco vizinho, mas com um desfecho totalmente diferente: vitória por 4-6, 6-3, 7-6 (5) e 6-0, a primeira de sempre na relva londrina.

“Foi muito emocionante”, confessou. “Joguei com o Francisco há dois anos e lesionei-me dois courts ao lado daquele. Teve um significado especial ultrapassar este desafio na catedral, num dia muito quente.”

A batalha começa no corpo, mas vence-se com a cabeça

Foi uma tarde de calor abrasador — o tipo de dia que exige mais do corpo e da mente. E se o início do encontro não correu como Borges queria, o resto mostrou o que o move: resiliência.

“Foi uma batalha desde o início. Não consegui entrar da melhor maneira, mas cresci com o jogo e senti-o mais desmoralizado. Isso deu-me motivação para subir e jogar da melhor maneira.”

Contra um top 20 mundial, num piso ainda desafiante, o português sobreviveu aos momentos mais duros e cresceu nos mais decisivos — sobretudo no fim do terceiro ‘set’, que acabou por desbloquear o caminho para um quarto parcial irrepreensível.

A relva deixa de ser inimiga

Durante anos, o piso verde de Wimbledon foi mais armadilha do que palco. Mas gradualmente, o Lidador mudou o olhar. Não pela relva em si, mas pela forma como a enfrenta.

“Tenho-me sentido cada vez melhor na relva. É um piso que não dá grandes referências. Este ano tentei jogar mais, contrariar os sentimentos dos anos anteriores.”

A estratégia foi clara: jogar mais encontros em relva, adaptar-se às suas armadilhas, procurar segurança na instabilidade. E houve também uma ajuda do clima: “Este ano não tem chovido tanto e a aderência assim é maior.”

Resultado? Uma das vitórias mais significativas da sua carreira.

Vitória suada, lágrimas vivas

Mais do que técnica, o ténis exige gestão emocional. E Borges não escondeu o que sentiu ao ouvir o aplauso final, num palco que um dia o fez chorar de dor — e agora o viu chorar de alívio e conquista.

“Foi um desafio ultrapassado pelo adversário, mas também pela relva e por Wimbledon, que tem um grande significado.”

As lágrimas não foram fraquezas. Foram uma forma de agradecer ao próprio corpo e à própria coragem, depois de um percurso em que duvidou se voltaria a sentir-se forte na relva.

O desafio de Billy Harris

O próximo adversário é Billy Harris, britânico habituado ao cenário e à superfície. Um desafio difícil — mas não novo.

“Os britânicos já têm provado que são muito perigosos na relva e em Wimbledon. É uma superfície especial e eles cresceram nela.”

E ainda que Harris não esteja no top 100, chegou a estar perto — e venceu recentemente Cameron Norrie, um dos principais nomes do ténis britânico. O português sabe o que o espera.

“Vai ser uma grande batalha diante de um jogador motivado e adaptado.”

Apesar da exigência que se adivinha, Borges não quer pensar ainda na próxima batalha. Prefere, como se ensina nas melhores escolas de mindfulness, ficar no presente e saborear o agora.

“Quero desfrutar. Estou em Wimbledon.”

Essas palavras, simples, mas cheias de sentimento, mostram como Nuno Borges aprendeu a valorizar os momentos únicos — sobretudo quando vêm com suor, superação e cicatrizes curadas.

A Catedral sorriu de volta

Não foi preciso jogar o encontro da vida. Nem foi necessário um festival de pancadas espetaculares. Bastou estar presente, acreditar e não ceder ao medo. Foi isso que Nuno Borges fez. E Wimbledon — esse templo que um dia o derrubou — sorriu finalmente de volta.

No final, quando os aplausos ecoaram pelas bancadas quentes, Borges não celebrou apenas uma vitória. Celebrou o encerramento de um ciclo. E o início de outro.

 

Curiosidades:

  • Nuno Borges venceu Francisco Cerúndolo e somou a sua primeira vitória no quadro principal de Wimbledon.
  • Superou um trauma antigo: uma lesão contra o mesmo adversário, no mesmo torneio, há dois anos.
  • Está, agora, mais confortável a jogar em relva, uma superfície difícil e imprevisível.
  • Enfrentará Billy Harris na segunda ronda — um jogador local, perigoso na relva.
  • Com esta vitória, o Lidador torna-se o segundo português da história a vencer em todos os Grand Slams.

 


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