Nuno Borges renasce na relva britânica

                                                                        Por António Vieira Pacheco

O susto do Lidador em Londres.
Créditos: ATP Tour. Lidador apanhou um susto, depois recompôs-se a convidado inglês. 

Vitória suada em Eastbourne

Depois de dois tropeços seguidos, Nuno Borges voltou a sorrir. Na relva de Eastbourne, palco do ATP 250 britânico, o número um nacional reencontrou o caminho das vitórias ao superar, com esforço e paciência, o jovem da casa Jack Pinnington Jones. O triunfo, por 4-6, 6-3 e 6-3, devolve ao maiato a confiança necessária numa fase em que o ténis se joga tão nas linhas como na cabeça.

Um início aos solavancos

O encontro começou com o português a carregar nos ombros os fantasmas dos desaires recentes. O lidador, oitavo cabeça de série no torneio, entrou em campo com a responsabilidade de confirmar o favoritismo diante de um adversário 245 lugares abaixo no ‘ranking’ — mas que, apoiado pelo público e com nada a perder, se apresentou solto e agressivo.

Pinnington Jones, de 21 anos e beneficiado por um wild-card da organização, aproveitou a desconcentração inicial do português. Com um serviço irregular, mas agressivo e bolas profundas, o britânico conquistou o primeiro ‘set’ por 6-4, explorando os 16 erros diretos de Borges, que parecia ainda à procura do ritmo e da confiança que o caracterizam.

O acerto que faltava

O que mudou entre o primeiro e o segundo ‘set’ foi sobretudo a compostura. Borges reencontrou-se, corrigiu o gesto, afinou a margem e reduziu drasticamente os erros não forçados. Pinnington Jones, por seu lado, começou a ver o serviço tornar-se um problema crónico — as duplas faltas, que já tinham sido quatro no parcial inaugural, começaram a surgir com regularidade quase inquietante.

No segundo ‘set’, Borges encontrou o ponto de equilíbrio. Mais sólido na troca de bolas, mais paciente nas subidas à rede e mais inteligente na construção dos pontos, o português quebrou o serviço do britânico e serviu para fechar em 6-3, com autoridade e sem tremores.

O desgaste do talento cru

A juventude e a audácia de Pinnington Jones, que comecei o encontro com surpreendente maturidade tática, começaram a dar sinais de desgaste. Não somente físico, mas mental. O britânico terminou o encontro com um total de 14 duplas faltas e uns expressivos 42 erros diretos, muito distantes dos 11 cometidos somente no primeiro ‘set’ — sinal de que a consistência emocional ainda não acompanha o talento.

Borges soube gerir o momento. Sem pressa, sem sobressaltos, navegou pelo terceiro ‘set’ com a serenidade de quem já percorreu outros mares revoltos. Voltou a vencer por 6-3, selando a vitória num parcial em que nunca pareceu verdadeiramente ameaçado.

Um novo fôlego antes de Wimbledon

Mais do que apenas uma passagem à segunda ronda, esta vitória em Eastbourne representa um regresso à estabilidade para Nuno Borges. Depois das quedas prematuras em Halle e Roland Garros, o tenista português precisava de uma afirmação — ainda que frente a um adversário teoricamente inferior. No ténis, cada vitória é um ponto de recomeço, sobretudo quando se joga em piso rápido e instável como a relva.

Agora, o maiato já conhece o nome do próximo obstáculo: Jenson Brooksby, norte-americano que entrou no quadro principal como lucky loser, e que aproveitou bem a oportunidade ao eliminar o argentino Francisco Comesaña. Será o primeiro duelo entre Borges e Brooksby, uma incógnita tática e emocional que promete mais um desafio de leitura difícil.

O peso e a leveza de ser número um

Carregar o estatuto de melhor português do ‘ranking’ mundial (37.º ATP) é, ao mesmo tempo, um fardo e um privilégio. O Lidador tem sabido lidar com essa condição com uma mistura de humildade e exigência. A vitória em Eastbourne é uma dessas pequenas provas de resiliência: não foi brilhante, mas foi eficaz; não deslumbrou, mas mostrou maturidade.

Num circuito onde cada torneio se joga como se fosse um capítulo autónomo, Borges reencontra-se com a vitória como quem encontra um velho amigo numa rua desconhecida. Há ali conforto e sentido. E para quem tem Wimbledon à porta, cada passo em frente conta.

 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

João Paulo Brito: as vitórias sem árbitros oficiais no ténis de mesa

Gilberto Garrido é um farol da Madeira

José Santos, o árbitro mais antigo do ténis de mesa