Henrique Rocha vence na relva de Wimbledon e volta a sonhar com o quadro principal
Por António Vieira Pacheco
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Créditos: Mateusz Mecik. Henrique Rocha apurou-se para a segunda ronda do qualifying. |
Em Londres, o português estreia-se com triunfo firme na qualificação e confirma maturidade competitiva.
Há superfícies que exigem adaptação.
E há jogadores que, mesmo sem minutos recentes em determinado piso, parecem
saber ler o court como quem lê um poema familiar. Foi o caso de Henrique
Rocha, jovem portuense de 21 anos, que esta segunda-feira entrou com o pé
direito na fase de qualificação de Wimbledon, ao vencer o boliviano Murkel
Dellien Velasco (223.º ATP) por claros 6-3 e 6-1, em Roehampton.
Apesar de não ter disputado qualquer
torneio em relva este ano, o português não vacilou e confirmou o favoritismo
frente a um adversário que, embora com menos ‘ranking’, trazia ritmo
competitivo. O triunfo, em somente dois ‘sets’, mostrou não só o talento
técnico de Rocha, mas também a sua crescente capacidade de adaptação e frieza
nos grandes palcos.
A relva que guarda memórias!
Wimbledon é mais do que um torneio —
é um território sagrado do ténis, onde a tradição pesa tanto quanto o talento.
E foi precisamente neste mesmo cenário, há um ano, que o portuense conquistou a
primeira vitória da carreira em torneios do Grand Slam. O triunfo foi especial:
bateu o compatriota Jaime Faria, no primeiro duelo luso na fase de
qualificação.
Agora, um ano depois, regressa mais
maduro, mais bem posicionado no ‘ranking’ (158.º ATP), e com uma nova confiança
que nasceu em Paris, onde não só se apurou para o quadro principal de Roland
Garros, como alcançou a terceira ronda do Grand Slam francês, derrotando
adversários de peso e surpreendendo o circuito.
Wimbledon representa, portanto, um
reencontro com as origens do sonho, mas também uma nova fase de afirmação.
Henrique já não é promessa — é projeto em execução.
A vitória contra Dellien: autoridade e inteligência
Frente a Murkel Dellien Velasco,
irmão mais novo do experiente Hugo Dellien, o portuense mostrou desde o início
que estava preparado para acelerar o jogo. O primeiro ‘set’ foi resolvido com
um break crucial, sustentado por um serviço sólido e uma cadência
agressiva desde o fundo do court.
No segundo parcial, o domínio foi
absoluto: quebrou o serviço do boliviano por duas vezes, jogou com
margens mais curtas e arriscou mais nas subidas à rede, aproveitando a
velocidade da relva. O resultado foi um claro 6-1 que encerrou o encontro em
pouco mais de uma hora.
Mais do que o resultado, foi como o construiu que impressionou: concentração constante, leitura de jogo
eficaz e uma linguagem corporal de quem sabe que pertence àquele palco.
Barrios Vera no caminho (outra vez)
Com o passaporte para a segunda ronda
da qualificação de Wimbledon já carimbado, o atleta do CAR do Jamor terá agora
de passar mais dois obstáculos para entrar no quadro principal do torneio. E o
próximo pode bem ser um rosto conhecido: Tomas Barrios Vera, atual 107.º do
‘ranking’ ATP.
Os dois enfrentaram-se recentemente
por duas vezes — e em ambas, o português levou a melhor: primeiro na fase de
qualificação de Roland Garros, depois no Challenger de Bratislava. Vantagem
psicológica? Talvez. Mas, como bem sabe quem respira ténis, cada jogo tem a sua
história. E na relva, onde tudo se decide em milésimos de segundo e centímetros
de deslizamento, a margem de erro é ainda mais curta.
Se vencer, Rocha ficará a apenas um
passo de repetir o feito de Paris — ou talvez superá-lo, entrando diretamente
no templo do ténis mundial.
Uma nova geração em marcha
Henrique Rocha é hoje o terceiro
português mais bem classificado no ‘ranking’ ATP, apenas atrás de Nuno Borges
e Jaime Faria, já com entrada garantida no quadro principal de Wimbledon.
Com nomes como Faria — também em prova na qualificação —
representam uma nova geração do ténis nacional, com ambição clara e percursos
que começam a ser reconhecidos além-fronteiras.
Mais do que bons resultados
esporádicos, o que estes jovens estão a construir é consistência internacional.
Estão presentes, pontuam, desafiam adversários de topo e, acima de tudo, já não
entram em court para “aprender” — entram para vencer.
O ténis português na relva sagrada
Wimbledon é o torneio onde a tradição
vive em cada detalhe: do branco obrigatório ao silêncio cerimonial do público,
da relva imaculada aos morangos com natas nas bancadas. E é precisamente nesse
cenário onde se jogam os maiores sonhos que o ténis português vai deixando
marcas mais visíveis.
Além de Nuno Borges nos singulares e Francisco
Cabral nos pares, esta fase de qualificação conta com Henrique Rocha e
Jaime Faria a representar o país com ambição e qualidade. Não são apenas nomes
a preencher quadros — são jogadores com reais hipóteses de avançar, incomodar,
surpreender.
Um caminho em construção
Está longe de ser um produto
acabado. Mas está cada vez mais perto de ser um jogador do circuito principal.
A sua evolução é visível nos resultados, no ‘ranking’ e sobretudo na
postura competitiva. É calmo, firme, e joga com um olhar clínico, mesmo quando
o palco é maior e a pressão é mais densa.
A vitória desta segunda-feira em
Roehampton é mais uma pedra colocada com cuidado num caminho longo, onde cada
metro é ganho à custa de trabalho invisível. Não houve torneios em relva antes
de Londres? Nem importa. Há quem precise de ensaio, e há quem se inspire no
espetáculo. E o português parece cada vez mais à vontade com a luz dos grandes
palcos.
A relva pode escorregar, mas o seu
jogo está cada vez mais firme.
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