Laço negro em Wimbledon: “Não nos autorizaram uma braçadeira negra”

                                                         Por António Vieira Pacheco

Portuense explica os motivos de só utilizar o laço negro em Wimbledon.
Créditos: Direitos Reservados. Francisco Cabral

 No relvado sagrado de Wimbledon, entre a tradição imaculada e o silêncio cerimonial do All England Club, Francisco Cabral entrou em cena com mais do que raquetes e ambições. Entrou com um luto discreto e digno, costurado na manga esquerda do equipamento branco — um laço negro que dizia o que as palavras dificilmente conseguem. 

O gesto, simples, mas profundamente simbólico, era uma homenagem a Diogo Jota, futebolista do Liverpool, falecido um dia antes, aos 28 anos, num trágico acidente rodoviário. Ao seu lado, também partira o irmão, André Silva, também ele futebolista profissional.

O português, especialista em pares e atual número 40 do mundo — o melhor ‘ranking’ da sua carreira — acabaria eliminado na segunda ronda do torneio britânico ao lado do austríaco Lucas Miedler. Um resultado que, embora doloroso, ficou em segundo plano perante a força emotiva da sua presença em court.

Um gesto silencioso, um símbolo universal

“Ontem alguém sugeriu e achei ótima ideia”, explicou Cabral, em conferência de imprensa após a eliminação. “Inicialmente era uma braçadeira negra, mas através do gabinete de relações disseram-me, esta manhã, que não autorizavam, e a única opção que me deram foi utilizar o laço negro. Portanto, era isso ou nada — e foi uma honra.”

A resposta do All England Club, conhecida pela rigidez e tradição do seu código de vestuário, surgiu somente na manhã do próprio jogo. Uma autorização rara, que sublinha o caráter extraordinário do momento e a sensibilidade demonstrada pela organização perante a dimensão da tragédia que abalou o desporto português.

Assim, num palco onde o branco reina absoluto, aquele laço negro brilhou pela sua ausência de cor. Um silêncio visual. Um sinal de respeito. Uma memória carregada ao ombro.

O jogo: decidido por detalhes

No plano desportivo, a jornada foi curta, mas intensa. Cabral e Miedler defrontaram os checos Petr Nouza e Patrik Rikl, ambos classificados na 65.ª posição do ‘ranking’ de pares. Uma reedição do confronto das meias-finais do Millennium Estoril Open, onde o português e o austríaco haviam vencido.

Desta vez, o desfecho foi outro. Um primeiro ‘set’ dominado pelos checos por 6-3 e um segundo parcial renhido, resolvido apenas no tiebreak por 7-6 (9), após Cabral e Miedler desperdiçarem dois set points. A diferença entre a glória e a eliminação mediu-se, literalmente, em dois pontos.

“Eles entraram com um bocadinho mais de energia. Não sei se com menos a perder do que nós, porque se calhar éramos mais favoritos, mas entraram muito bem e serviram a um nível altíssimo no primeiro ‘set’”, confessou Cabral, com a lucidez de quem sabe que, no ténis, os momentos definem destinos.

“Quando servem a esse nível fica muito difícil, e ainda ficaram mais soltos ao conseguirem o break no nosso segundo jogo de serviço. No segundo ‘set’, infelizmente, não conseguimos capitalizar nenhum dos ‘set’ points no tiebreak. A este nível, e sobretudo neste piso, os encontros decidem-se por um, dois pontos — e infelizmente esses pontos caíram para o lado deles.”

Nem há dramatismo forçado nas palavras do portuense. Há, isso, sim, um desportivismo maduro e a consciência de que, às vezes, até a excelência não chega para vencer.

Uma eliminação com dignidade

Com esta derrota, Cabral completa a sua quarta participação consecutiva em Wimbledon, sempre com saída prematura na segunda ronda. Um padrão que não o desencoraja, mas que serve como marca do que ainda falta conquistar. Mais do que resultados, Cabral tem construído uma reputação de profissionalismo, dedicação e, agora, de humanidade e empatia.

O laço negro que usou tornou-se viral. A imprensa britânica, que já o tinha procurado após a vitória na estreia, voltou a rodeá-lo no final. No Court 5, as câmaras focaram-se mais no símbolo do que no resultado, e os ‘flashes’, normalmente reservados para os grandes nomes, iluminaram este momento com respeito e curiosidade.

A sua imagem — discreta, serena, vestida de branco e com o laço negro — atravessou fronteiras e foi partilhada por adeptos de várias modalidades. Porque há gestos que, ainda que silenciosos, dizem tudo.

Regresso a casa, olhos no futuro

Terminada a aventura em Wimbledon, Cabral regressa agora ao Porto. No entanto, a pausa será breve. A agenda já aponta para o regresso aos torneios em terra batida, com presença prevista nos ATP 250 de Bastad (Suécia) e Gstaad (Suíça), dois eventos que exigem rápida readaptação ao piso e ao estilo de jogo.

A ambição, contudo, não fica por aí. O objetivo seguinte será tentar entrar nos prestigiados ATP Masters 1000 de Toronto e Cincinnati, já em piso rápido, nos Estados Unidos. 

“Tentaremos entrar, mas não será fácil. Provavelmente ficaremos alguns lugares fora. Para já, a ideia é viajar e tentar entrar como alternate”.

O calendário é exigente, o circuito é competitivo, mas Cabral mostra-se pronto para continuar a lutar por lugares mais altos. Entre derrotas apertadas e homenagens sentidas, constrói-se uma carreira que vai além dos resultados.

A última palavra

Em Wimbledon, Cabral não levantou um troféu. Não avançou às fases finais. Nem foi manchete pelos feitos desportivos. Mas ganhou algo que o ‘ranking’ não mede: o respeito de quem o viu homenagear um compatriota falecido com a sobriedade e elegância que poucos conseguem manter em momentos tão delicados.

O ténis é feito de pontos, ‘sets’ e partidas, mas também de memórias, gestos e presenças. E, neste ano, em Wimbledon, entre milhares de histórias, uma delas ficou marcada por um laço negro e o coração de um tenista português.


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