Se o ténis de mesa tivesse os milhões de orçamento anual do ténis

🖋️ Por: António Vieira Pacheco
📸 Foto de destaque: Centro de Treino de Alto Rendimento de Gaia
Com mais apoio o ténis de mesa teria mais CAR


Se o Euromilhões desportivo saísse ao ténis de mesa

 Num país onde o futebol é rei e senhor, e onde a luz dos holofotes raramente se vira para além dos grandes relvados, há modalidades que sobrevivem à sombra, sustentadas por paixão, resiliência e uma teimosa vontade de continuar. O ténis de mesa é uma dessas.

Imaginamos se, por um instante somente, nos deixássemos sonhar?
Se o ténis de mesa, tantas vezes escondido na penumbra das grandes decisões, recebesse os mesmos milhões que alimentam o ténis em Portugal?
E se, em vez de unicamente sobreviver, o ténis de mesa pudesse finalmente viver com um orçamento de 14 milhões de euros anuais — como já acontece com o ténis?

Segundo o Relatório e Contas de 2024 (pode consultar aqui) da Federação Portuguesa de Ténis, a modalidade contou no último ano com um reforço substancial no seu financiamento, ultrapassando os 14 milhões de euros em subsídios, doações e apoios à exploração. Este valor representa um aumento de 10% face a 2023, e reflete o crescente investimento na modalidade por parte do Estado e de entidades privadas. Surge a interrogação inevitável: com um respaldo financeiro de igual magnitude, que horizontes poderia almejar o ténis de mesa português?

Que impacto teria essa mudança?
Estaríamos ainda a lutar contra o tempo e a falta de meios, ou já a disputar, olhos nos olhos, um lugar entre França, Alemanha, Japão, Coreia do Sul — ou até mesmo a imensurável China?

 Talvez sim. E talvez essa hipótese nem esteja tão longe como parece.

Portugal já provou que sabe competir

Marcos Freitas tornou-se no melhor atleta de sempre português-
Créditos: Federação Portuguesa de Ténis de Mesa.
A questão não é se Portugal tem talento. É outra e mais pertinente: o que conseguiria fazer com mais dinheiro?

Mesmo com orçamentos reduzidos, Portugal já conquistou títulos que muitos julgavam impossíveis. Os nomes de Marcos Freitas (na foto), João Monteiro e Tiago Apolónia ressoam como símbolos de uma geração dourada. Eles levaram a bandeira portuguesa aos Jogos Olímpicos, a medalhas nos Jogos Europeus e, sobretudo, ao histórico título de Campeões Europeus por Equipas em 2014, batendo potências como a Alemanha.

Esses feitos não surgiram do acaso. Nasceram de um sistema frágil, mas resiliente. De clubes como o Sporting, São Roque, Ponta do Pargo, Ala de Gondomar ou Mirandela. De treinadores que fizeram da mesa uma missão de vida. Mas nasceram, acima de tudo, de talento que desafiou o destino — e venceu.

Atletas a treinarem em Setúbal.
 

A base é frágil: poucos clubes e escassa formação

Não obstante os avanços, o ténis de mesa nacional subsiste ancorado em alicerces débeis, sustentado sobretudo por iniciativa de índole pessoal e pelo dinamismo das comunidades envolventes.

Faltam clubes com meios consistentes, faltam salas dedicadas à modalidade, faltam treinadores a tempo inteiro com salários estáveis. Faltam mesas, bolas e condições básicas em muitas regiões do país. Há distritos onde simplesmente não há atividade federada. Onde a bola não pinga, e os jovens nunca aprendem o som seco e mágico de um rally bem disputado.

Portugal conta com três polos relevantes de treino: o centro de alto rendimento em Vila Nova de Gaia, onde as seleções nacionais se concentram; o núcleo de Mirandela, que durante anos foi uma das poucas estruturas especializadas do país; e o polo na Madeira, que tem sido essencial no apoio aos atletas insulares e na formação de talentos como Marcos Freitas ou Tiago Li.

Estas estruturas são valiosas. Mas unicamente em Gaia funciona como um verdadeiro centro nacional de alto rendimento permanente, com atletas residentes, acompanhamento escolar, nutricional, técnico e médico diário — ao estilo do que se faz em França ou na Alemanha.

No setor feminino, o desafio é ainda maior: o número de atletas federadas é reduzido, as oportunidades são escassas e não existe, presentemente, uma massa crítica sustentável.

    França, Alemanha e China: 

Um duelo com artefactos distintos

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A comparação pode parecer ingrata, mas é inevitável.

Na França, o ténis de mesa conta com centros de alto rendimento bem estruturados, como o em Paris e outros espalhados por outras cidades. Atletas promissores recebem apoio técnico, académico e psicológico desde os 13 ou 14 anos. Clubes como o Pontoise ou Chartres têm estruturas semiprofissionais, com técnicos, departamento médico e investimento consistente.

A principal liga da nação teutónica figura entre as mais competitivas do planeta. Existem programas de inserção em estabelecimentos de ensino, coletividades dotadas de infraestruturas próprias e estruturas técnicas plenamente consolidadas. O resultado: campeões formados de forma sistemática.

Na China, o fenómeno é de outra escala. Sob tutela do Estado, o desporto floresce — e o ténis de mesa desponta como emblema da prática atlética nacional. Há mais de 20 atletas chineses com nível de top-10 mundial. O sistema identifica talentos com 5 ou 6 anos, que entram num regime de treino intensivo e rigoroso. A cultura competitiva é total.

Quando os milhões não chegam à mesa

Enquanto isso, em Portugal, o ténis — com as suas raquetes encordoadas e campos de ténis de terra batida e pisos duros — recebe cerca de 14 milhões de euros anuais. Tem visibilidade mediática, eventos como o Estoril Open, academias privadas e apoios públicos relevantes. Mesmo que os resultados não sejam expressivos, o investimento está lá.

O ténis de mesa, em contrapartida, permanece excluído desse circuito privilegiado de financiamento. Tem orçamento reduzido, pouco espaço nos média, e reduzida margem para errar. Sobrevive graças à dedicação dos seus agentes — não por reconhecimento institucional.

Não se trata de criar rivalidades entre modalidades. É uma evidência. Trata-se de justiça desportiva.

Com mais títulos haveria mais público a apoiar a modalidade.
Créditos: Federação Portuguesa de Ténis de Mesa.

Com investimento sério, os resultados seriam imediatos

Com 14 milhões de euros anualmente — e bem aplicados — o ténis de mesa português daria um salto gigantesco em muito pouco tempo:

  • Criação de centros de treino regionais em todos os distritos de Portugal com técnicos a tempo inteiro e condições adequadas;
  • Apoio direto aos atletas de alto rendimento e à sua formação académica;
  • Profissionalização dos clubes de topo e incentivo à criação de equipas femininas;
  • Criação de um gabinete de comunicação forte;
  • Campanhas de comunicação e formação escolar para aumentar a base de praticantes.

Tal aporte não transfiguraria a nossa nação numa réplica chinesa da modalidade. Mas colocaria o país em posição de lutar — verdadeiramente — com as grandes potências europeias. E permitiria que os próximos campeões não fossem exceções heroicas, mas frutos naturais de um sistema bem desenhado.

Falta dinheiro ao ténis de mesa nacional.
Créditos: Federação Portuguesa de Ténis de Mesa.

O talento existe — falta dar-lhe raízes

Portugal tem cultura de ténis de mesa. Não é massiva, mas é real. Há paixão. Há história. Existem clubes centenários e técnicos dedicados. O que falta é escala e estabilidade. Carece-se, ademais, da audácia necessária para manejar a modalidade com a honra que lhe é devida.

O que se mostra mais assombroso é que a reinvenção seria desnecessária. Bastaria investir com critério, olhar para o que já funciona e potenciar. Criar ligações entre clubes, escolas, universidades. Trazer os atletas emigrados de volta com condições. Apoiar quem já faz muito — e permitir que faça melhor.

Espetadores há também no ténis de mesa, mas em Portufal escasseia.

Um desporto pequeno à espera de uma grande ideia

O ténis de mesa é rápido, técnico e imprevisível. É um jogo de reflexos e inteligência. Igualmente, uma partida de silêncio e explosão. Em Portugal, é também um jogo de resistência.

Nem precisa continuar a sê-lo.

Com 14 milhões bem aplicados, o ténis de mesa português não sonharia exclusivamente com medalhas em seniores. Lutaria por elas. E mostraria, no interior e exterior da mesa, que mesmo que as outras modalidades podem ter lugar entre os grandes — se lhes derem chão para crescer.
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