Se o ténis de mesa tivesse os milhões de orçamento anual do ténis
📸 Foto de destaque: Centro de Treino de Alto Rendimento de Gaia
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Se o Euromilhões desportivo saísse ao ténis de mesa
Num país onde o futebol é rei e
senhor, e onde a luz dos holofotes raramente se vira para além dos grandes
relvados, há modalidades que sobrevivem à sombra, sustentadas por paixão,
resiliência e uma teimosa vontade de continuar. O ténis de mesa é uma dessas.
Imaginamos se, por um instante somente, nos
deixássemos sonhar?
Se o ténis de mesa, tantas vezes escondido na penumbra das grandes decisões,
recebesse os mesmos milhões que alimentam o ténis em Portugal?
E se, em vez de unicamente sobreviver, o ténis de mesa pudesse finalmente
viver com um orçamento de 14 milhões de euros anuais — como já acontece com o
ténis?
Segundo o Relatório e Contas de
2024 (pode consultar aqui) da Federação Portuguesa de Ténis, a modalidade contou no último ano
com um reforço substancial no seu financiamento, ultrapassando os 14
milhões de euros em subsídios, doações e apoios à exploração. Este valor
representa um aumento de 10% face a 2023, e reflete o crescente
investimento na modalidade por parte do Estado e de entidades privadas. Surge a
interrogação inevitável: com um respaldo financeiro de igual magnitude, que
horizontes poderia almejar o ténis de mesa português?
Que impacto teria essa mudança?
Estaríamos ainda a lutar contra o tempo e a falta de meios, ou já a disputar,
olhos nos olhos, um lugar entre França, Alemanha, Japão, Coreia do Sul — ou até
mesmo a imensurável China?
Talvez sim. E talvez essa hipótese nem esteja tão longe como parece.
Portugal já provou que sabe competir
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Créditos: Federação Portuguesa de Ténis de Mesa. |
Mesmo com orçamentos reduzidos,
Portugal já conquistou títulos que muitos julgavam impossíveis. Os nomes de
Marcos Freitas (na foto), João Monteiro e Tiago Apolónia ressoam como símbolos de uma
geração dourada. Eles levaram a bandeira portuguesa aos Jogos Olímpicos, a
medalhas nos Jogos Europeus e, sobretudo, ao histórico título de Campeões
Europeus por Equipas em 2014, batendo potências como a Alemanha.
Esses feitos não surgiram do acaso.
Nasceram de um sistema frágil, mas resiliente. De clubes como o Sporting, São
Roque, Ponta do Pargo, Ala de Gondomar ou Mirandela. De treinadores que fizeram da mesa uma
missão de vida. Mas nasceram, acima de tudo, de talento que desafiou o destino
— e venceu.
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A base é frágil: poucos clubes e escassa formação
Não obstante os avanços, o ténis de
mesa nacional subsiste ancorado em alicerces débeis, sustentado sobretudo por iniciativa de índole pessoal e pelo dinamismo das comunidades envolventes.
Faltam clubes com meios consistentes,
faltam salas dedicadas à modalidade, faltam treinadores a tempo inteiro com
salários estáveis. Faltam mesas, bolas e condições básicas em muitas regiões do
país. Há distritos onde simplesmente não há atividade federada. Onde a bola não
pinga, e os jovens nunca aprendem o som seco e mágico de um rally bem
disputado.
Portugal conta com três polos
relevantes de treino: o centro de alto rendimento em Vila Nova de Gaia,
onde as seleções nacionais se concentram; o núcleo de Mirandela,
que durante anos foi uma das poucas estruturas especializadas do país; e o polo
na Madeira, que tem sido essencial no apoio aos atletas insulares e
na formação de talentos como Marcos Freitas ou Tiago Li.
Estas estruturas são valiosas. Mas
unicamente em Gaia funciona como um verdadeiro centro nacional de alto
rendimento permanente, com atletas residentes, acompanhamento escolar,
nutricional, técnico e médico diário — ao estilo do que se faz em França ou na
Alemanha.
No setor feminino, o desafio é ainda maior: o número de atletas federadas é reduzido, as oportunidades são escassas e não existe, presentemente, uma massa crítica sustentável.
França, Alemanha e China:
Um duelo com artefactos distintos
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A comparação pode parecer ingrata, mas é inevitável.
Na França, o ténis de mesa conta com
centros de alto rendimento bem estruturados, como o em Paris e outros
espalhados por outras cidades. Atletas promissores recebem apoio técnico,
académico e psicológico desde os 13 ou 14 anos. Clubes como o Pontoise ou
Chartres têm estruturas semiprofissionais, com técnicos, departamento médico e
investimento consistente.
A principal liga da nação teutónica
figura entre as mais competitivas do planeta. Existem programas de inserção em
estabelecimentos de ensino, coletividades dotadas de infraestruturas próprias e
estruturas técnicas plenamente consolidadas. O resultado: campeões formados de
forma sistemática.
Na China, o fenómeno é de outra escala. Sob tutela do Estado, o desporto floresce — e o ténis de mesa desponta como emblema da prática atlética nacional. Há mais de 20 atletas chineses com nível de top-10 mundial. O sistema identifica talentos com 5 ou 6 anos, que entram num regime de treino intensivo e rigoroso. A cultura competitiva é total.
Quando os milhões não chegam à mesa
Enquanto isso, em Portugal, o ténis —
com as suas raquetes encordoadas e campos de ténis de terra batida e pisos
duros — recebe cerca de 14 milhões de euros anuais. Tem visibilidade
mediática, eventos como o Estoril Open, academias privadas e apoios públicos
relevantes. Mesmo que os resultados não sejam expressivos, o investimento está
lá.
O ténis de mesa, em contrapartida,
permanece excluído desse circuito privilegiado de financiamento. Tem orçamento
reduzido, pouco espaço nos média, e reduzida margem para errar. Sobrevive graças à
dedicação dos seus agentes — não por reconhecimento institucional.
Não se trata de criar rivalidades entre modalidades. É uma evidência. Trata-se de justiça desportiva.
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Créditos: Federação Portuguesa de Ténis de Mesa. |
Com investimento sério,
os resultados seriam imediatos
Com 14 milhões de euros anualmente — e bem
aplicados — o ténis de mesa português daria um salto gigantesco em muito pouco
tempo:
- Criação
de centros de treino regionais em todos os distritos de Portugal com
técnicos a tempo inteiro e condições adequadas;
- Apoio
direto aos atletas de alto rendimento e à sua formação académica;
- Profissionalização
dos clubes de topo e incentivo à criação de equipas femininas;
- Criação
de um gabinete de comunicação forte;
- Campanhas
de comunicação e formação escolar para aumentar a base de praticantes.
Tal aporte não transfiguraria a nossa
nação numa réplica chinesa da modalidade. Mas colocaria o país em posição de
lutar — verdadeiramente — com as grandes potências europeias. E permitiria que
os próximos campeões não fossem exceções heroicas, mas frutos naturais de um
sistema bem desenhado.
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Créditos: Federação Portuguesa de Ténis de Mesa. |
O talento existe — falta dar-lhe raízes
Portugal tem cultura de ténis de
mesa. Não é massiva, mas é real. Há paixão. Há história. Existem clubes
centenários e técnicos dedicados. O que falta é escala e estabilidade. Carece-se,
ademais, da audácia necessária para manejar a modalidade com a honra que lhe é
devida. O que se mostra mais assombroso é que
a reinvenção seria desnecessária. Bastaria investir com critério, olhar para o
que já funciona e potenciar. Criar ligações entre clubes, escolas,
universidades. Trazer os atletas emigrados de volta com condições. Apoiar quem
já faz muito — e permitir que faça melhor. Um desporto pequeno à espera de uma grande ideiaO ténis de mesa é rápido, técnico e
imprevisível. É um jogo de reflexos e inteligência. Igualmente, uma partida de silêncio e
explosão. Em Portugal, é também um jogo de resistência. Nem precisa continuar a sê-lo. Com 14 milhões bem aplicados, o ténis
de mesa português não sonharia exclusivamente com medalhas em seniores. Lutaria
por elas. E mostraria, no interior e exterior da mesa, que mesmo que as outras
modalidades podem ter lugar entre os grandes — se lhes derem chão para crescer. |
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