Fu Yu: a veterana que não solicita licença ao tempo para estar nos maiores palcos

                                                                        Por António Vieira Pacheco
A portuguesa de origem chinesa centila em Las Vegas.
Créditos: FPTM. Fu Yu à porta do quadro principal em Las Vegas.

A olímpica portuguesa avança para a ronda final da qualificação no Smash dos EUA. Tiago Apolónia foi eliminado.

Fu Yu não joga. Ela resiste.
Aos 46 anos, uma das mais velhas entre os rostos da elite mundial, a portuguesa que se fez madeirense por alma e coração, segue imparável — e qualifica-se para a terceira e última ronda do WTT Grand Smash de Las Vegas, após uma vitória sofrida, suada e carregada de classe.

Ela não levanta somente a raquete. Levanta memórias, afetos, gerações. Em cada bola que devolve, há uma história. E talvez por isso, quando a mesa parece balançar, quando os pontos se apertam e os adversários crescem, ela… respira. Como só quem já viu tudo sabe fazer.

Enraizada na Madeira e crescida no mundo

Fu Yu nasceu, em Hubei, na China, mas o destino escreveu Portugal no seu futuro. Fez-se mulher de mar e montanha, no arquipélago onde as flores se agarram às escarpas e o vento leva segredos entre o Funchal e o mundo.

Ali, na Madeira, encontrou mais do que um clube: encontrou casa. Criou raízes, coração e família. A portuguesa que nasceu longe, mas que enraizou onde se vive devagar, com chá e respeito. Hoje, Fu Yu é sinónimo de persistência, exemplo de longevidade e símbolo de uma modalidade que, tantas vezes, vive longe dos holofotes. Mas nunca longe dela.

Vitória de raça e paciência

Na madrugada portuguesa de sexta-feira, Fu Yu (75.ª do ‘ranking’ mundial) enfrentou Cheng Hsien-Tzu (166.ª, Taiwan) e venceu por 3-2, com os parciais de 9-11, 11–7, 4-11, 11–8 e 11–6. O duelo foi duro — como quase todos os que Fu Yu escolhe viver até ao fim.

Duas vezes em desvantagem, duas vezes a puxar pela alma. Aos 46 anos, continua a surpreender, não pelo que já não consegue, mas por tudo aquilo que ainda entrega. Com um jogo baseado em colocação, leitura de jogo e uma calma desarmante, foi a desfiar o nervosismo adversário ponto a ponto.

“Jogará até o corpo deixar”

Recentemente, o seu marido e treinador, Duarte Fernandes, disse em exclusivo ao Entrar no Mundo das Modalidades com um sorriso sereno:

“Ela jogará até o corpo deixar.” É uma frase simples, mas cheia de verdade. Porque para Fu Yu, o tempo é só um número. A idade, apenas um dado de calendário. Ela não joga porque precisa provar algo. Joga porque a mesa é o seu lugar natural, como a terra o é para as vinhas do Douro, como o mar o é para os barcos de Câmara de Lobos.

E Las Vegas, com todas as suas luzes e distrações, rendeu-se à veterana. Porque há talento, sim. Mas há, sobretudo, uma dignidade em continuar. Uma elegância em não desistir. Uma poesia em resistir aos anos com a graça de quem já venceu tudo — menos a vontade de continuar.

Próxima adversária: Charlotte Lutz

A próxima batalha está marcada para a madrugada de sábado para domingo (3h10 em Portugal continental). Fu Yu defrontará Charlotte Lutz, atual 80.ª do ‘ranking’ mundial, uma jogadora jovem, agressiva, da nova geração francesa.

Será o embate entre gerações. Entre a experiência milimétrica de Fu Yu e o ímpeto impaciente da juventude. Um choque de estilos, de ritmos, de mundos.

Apolónia caiu, João Geraldo joga ainda hoje

Nem todos os portugueses em prova tiveram a mesma sorte. Tiago Apolónia, que ainda tenta reencontrar a forma que o levou aos grandes palcos internacionais, foi eliminado na segunda ronda de qualificação.

Perdeu por 3-1 frente ao norte-americano Jinbao Ma, num jogo em que a irregularidade pesou. Os parciais (11-3, 5-11, 11-8, 13-11) mostram um jogo com momentos equilibrados, mas sem consistência para o português, que assim termina a sua participação em Las Vegas.

Já Geraldo ainda sonha. O atleta natural de Mirandela, atualmente no 198.º lugar do ranking, joga hoje frente ao sueco Kristian Karlsson (58.º), na segunda eliminatória. O duelo está marcado para as 20h00 (hora portuguesa) e é uma prova de fogo para o esquerdino português.

Fu Yu: a herança viva do ténis de mesa português

Quando um dia se escrever a história do ténis de mesa em Portugal, Fu Yu terá um capítulo inteiro — talvez dois. O que ela fez pela modalidade vai muito além das medalhas ou dos ‘rankings’. É um legado de resiliência silenciosa, uma aula de humildade, um manual vivo de como se compete com dignidade.

Não há promessas sobre até quando continuará. Talvez o corpo decida, talvez seja o coração. Mas uma coisa é certa: cada jogo de Fu Yu é uma despedida adiada. Um privilégio renovado.

E enquanto a bola continuar a bater na mesa… nós continuaremos a aplaudir.

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