Fu Yu: a veterana que não solicita licença ao tempo para estar nos maiores palcos
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Créditos: FPTM. Fu Yu à porta do quadro principal em Las Vegas. |
A olímpica portuguesa avança para a ronda final da qualificação no Smash dos EUA. Tiago Apolónia foi eliminado.
Fu Yu não joga. Ela resiste.
Aos 46 anos, uma das mais velhas entre os rostos da elite mundial, a portuguesa
que se fez madeirense por alma e coração, segue imparável — e qualifica-se para
a terceira e última ronda do WTT Grand Smash de Las Vegas, após uma vitória
sofrida, suada e carregada de classe.
Ela não levanta somente a raquete.
Levanta memórias, afetos, gerações. Em cada bola que devolve, há uma história.
E talvez por isso, quando a mesa parece balançar, quando os pontos se apertam e
os adversários crescem, ela… respira. Como só quem já viu tudo sabe fazer.
Enraizada na Madeira e crescida no mundo
Fu Yu nasceu, em Hubei, na China, mas o
destino escreveu Portugal no seu futuro. Fez-se mulher de mar e montanha, no
arquipélago onde as flores se agarram às escarpas e o vento leva segredos entre
o Funchal e o mundo.
Ali, na Madeira, encontrou mais do
que um clube: encontrou casa. Criou raízes, coração e família. A portuguesa que
nasceu longe, mas que enraizou onde se vive devagar, com chá e respeito. Hoje,
Fu Yu é sinónimo de persistência, exemplo de longevidade e símbolo de uma
modalidade que, tantas vezes, vive longe dos holofotes. Mas nunca longe dela.
Vitória de raça e paciência
Na madrugada portuguesa de
sexta-feira, Fu Yu (75.ª do ‘ranking’ mundial) enfrentou Cheng Hsien-Tzu
(166.ª, Taiwan) e venceu por 3-2, com os parciais de 9-11, 11–7, 4-11, 11–8 e
11–6. O duelo foi duro — como quase todos os que Fu Yu escolhe viver até ao
fim.
Duas vezes em desvantagem, duas vezes
a puxar pela alma. Aos 46 anos, continua a surpreender, não pelo que já não
consegue, mas por tudo aquilo que ainda entrega. Com um jogo baseado em
colocação, leitura de jogo e uma calma desarmante, foi a desfiar o nervosismo
adversário ponto a ponto.
“Jogará até o corpo deixar”
Recentemente, o seu marido e
treinador, Duarte Fernandes, disse em exclusivo ao Entrar no Mundo das
Modalidades com um sorriso sereno:
“Ela jogará até o corpo deixar.” É uma frase simples, mas cheia de
verdade. Porque para Fu Yu, o tempo é só um número. A idade, apenas um dado de
calendário. Ela não joga porque precisa provar algo. Joga porque a mesa é o
seu lugar natural, como a terra o é para as vinhas do Douro, como o mar o é
para os barcos de Câmara de Lobos.
E Las Vegas, com todas as suas luzes
e distrações, rendeu-se à veterana. Porque há talento, sim. Mas há, sobretudo,
uma dignidade em continuar. Uma elegância em não desistir. Uma poesia em
resistir aos anos com a graça de quem já venceu tudo — menos a vontade de
continuar.
Próxima adversária: Charlotte Lutz
A próxima batalha está marcada para a
madrugada de sábado para domingo (3h10 em Portugal continental). Fu Yu defrontará
Charlotte Lutz, atual 80.ª do ‘ranking’ mundial, uma jogadora jovem,
agressiva, da nova geração francesa.
Será o embate entre gerações. Entre a
experiência milimétrica de Fu Yu e o ímpeto impaciente da juventude. Um choque
de estilos, de ritmos, de mundos.
Apolónia caiu, João Geraldo joga ainda hoje
Nem todos os portugueses em prova
tiveram a mesma sorte. Tiago Apolónia, que ainda tenta reencontrar a
forma que o levou aos grandes palcos internacionais, foi eliminado na segunda
ronda de qualificação.
Perdeu por 3-1 frente ao
norte-americano Jinbao Ma, num jogo em que a irregularidade pesou. Os parciais
(11-3, 5-11, 11-8, 13-11) mostram um jogo com momentos equilibrados, mas sem
consistência para o português, que assim termina a sua participação em Las
Vegas.
Já Geraldo ainda sonha. O atleta natural
de Mirandela, atualmente no 198.º lugar do ranking, joga hoje frente ao sueco
Kristian Karlsson (58.º), na segunda eliminatória. O duelo está marcado para as
20h00 (hora portuguesa) e é uma prova de fogo para o esquerdino português.
Fu Yu: a herança viva do ténis de mesa português
Quando um dia se escrever a história
do ténis de mesa em Portugal, Fu Yu terá um capítulo inteiro — talvez dois. O
que ela fez pela modalidade vai muito além das medalhas ou dos ‘rankings’. É um
legado de resiliência silenciosa, uma aula de humildade, um manual vivo
de como se compete com dignidade.
Não há promessas sobre até quando
continuará. Talvez o corpo decida, talvez seja o coração. Mas uma coisa é certa:
cada jogo de Fu Yu é uma despedida adiada. Um privilégio renovado.
E enquanto a bola continuar a bater na mesa… nós continuaremos a aplaudir.
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